quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A importância da Escritura na visão de Calvino do aconselhamento.

     Estive por algum tempo ausente nas postagens aqui no blog, mas resolvi retornar e trazer algumas reflexões sobre assuntos que nos chamam a atenção.
    Quero de inicio começar a falar sobre o assunto que foi parte da minha monografia na conclusão do curso de teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte. A Suficiência da Escritura no aconselhamento cristão. O intuito desse poste não é trazer um debate teológico vazio e sem preocupação na ajuda e contribuição ao Reino, mas nos fazer refletir sobre o papel e o poder da Escritura na condução do cristão no caminho.
Dividirei o assunto em partes para não ficar muito extenso.     

Calvino e o aconselhamento.

Calvino é conhecido como o grande reformador, a sua paixão pela Sagrada Escritura, sua labuta com o texto bíblico o tornaram um marco e um exemplo para os cristãos subseqüentes, o exegeta da reforma e o sistematizador de verdades bíblicas que construiriam o maior e mais fundamentado sistema teológico, o calvinismo. Popularmente conhecido como um sistematizador frio, centrado na doutrina da predestinação. No entanto, uma característica desse homem desconhecida por muitos é o entendimento que ele tinha sobre a necessidade do homem e a sua preocupação com o acompanhamento pastoral.
Calvino também no exercício de seu pastorado, sempre procurou encorajar pessoas sobrecarregadas, que não conseguiam encontrar consolo mediante sua própria aproximação de Deus, a procurarem seu pastor para aconselhamento particular e pessoal.[1]

          Calvino começou a entender desde cedo na caminhada como cristão e reformador, por experiência própria, que a solução para os problemas da humanidade não estavam no homem mesmo ou no que está a sua volta. Perseguido e refugiado na biblioteca de Du Tillet, escrevendo a seu amigo François Daniel em Orléans, ele deixa claro que é Deus quem cuida dos seus. Ele escreve;
A experiência me ensinou que não podemos ver muito além de nós. Quando eu me entregava a uma vida tranqüila e fácil, era então que aparecia o que menos esperava; e, ao contrario, quando a minha situação parecia desagradável, um plácido ninho era feito para mim, muito além da minha expectativa. Era o Senhor que fazia assim. Quando nos entregamos a Ele, Ele mesmo cuida de nós.[2]

          Para o reformador de Genebra, não era o fato de estar vivendo uma vida fácil e tranqüila que determinava o seu bem estar, para ele, o Senhor cuidava dos seus mesmo em dificuldades extremas. Durante esse período a inquisição era ferrenha e muitos foram mortos por abraçar a fé protestante. É dentro desse contexto que Calvino afirma que Deus criava um ninho além das suas expectativas.                                                                                                                               
          Por entender, que não era no homem mesmo que a humanidade encontrava refugio e solução para seus dilemas e problemas foi que o reformador se preocupou com as almas dos cristãos protestantes perseguidos, ele próprio tinha a sua condenação certa, era caçado como herege apto para o fogo.[3] Mesmo diante de perigos constantes, Calvino não se trancava em algum quarto escuro escrevendo As Institutas, como alguns presumem. Quando perseguido e de volta a Paris pela ultima vez, ele não deixou de acompanhar e aconselhar os fieis. 
Não podia permanecer ausente dos crentes da capital. Conhecia suas senhas e seus pontos secretos de reunião. Estava de volta à casa de La Forge, o qual temia pela segurança de Calvino. Cautelosamente entrava e saía das casas dos fieis, ensinando-os, encorajando-os, fortalecendo-os.[4]                                                                                                               
          A distância também não impedia o reformador de cuidar das almas. Quando a duquesa Renée, pressionada a abandonar sua fé e voltar à fé de Roma. Calvino a acompanhava por cartas, aconselhando e encorajando-a a não abandonar a fé.
Nessas dificuldades todas à sua frente, o seu conselheiro fiel seria o jovem vestido de preto que estava agora animando-a na corte de Ferrara. Não tornaria jamais a ver João Calvino, mas o seu conforto e estimulo ajudá-la-iam a ser leal à fé. Por intermédio de cartas, freqüentemente introduzidas no palácio ou na prisão às escondidas, a duquesa era animada pelo seu conselheiro espiritual.[5]

          O que realmente enxergamos com muita clareza é a preocupação de Calvino com a vida dos cristãos que eram perseguidos por causa do Evangelho. A imagem de um dogmático frio e seco é destruída quando conhecemos a vida desse homem de Deus. Mesmo que não houvesse um movimento de aconselhamento em sua época, é impossível negar que Calvino era comprometido com tal obra. Ele reconhecia as necessidades da alma humana.
Calvino sentia que uma das necessidades principais de sua época era, por meio da Palavra de Deus, ajudar homens e mulheres a alcançarem segurança na vida diante de Deus. [...] O evangelho é designado para assegurar que a alma alcance a paz, isso é, para uma alegre, contínua e radiante segurança.[6] 

          A orientação dada por Calvino as sua ovelhas não era um mero incentivo a não desistir de algum projeto de vida, mas, tinha os pressupostos firmados no que a Sagrada Escritura afirmava.            
          A vida desse homem teve como fundamento a Escritura, a pregação expositiva era uma marca do seu ministério, porém, para ele o sermão não era suficiente no tratamento com os crentes. Ele defendia que o pastor deveria se esmerar em acompanhar e cuidar de perto suas ovelhas.
O que quer que os outros pensem, não consideramos nosso cargo como algo dentro de limites tão estreitos como se, quando o sermão estiver terminado, pudéssemos descansar como se nossa tarefa tivesse terminada. Aqueles cujo sangue será requerido de nós se os perdermos por causa de nossa preguiça, devem ser cuidados muito mais de perto e de modo mais vigilante.[7]                                  
A condução do rebanho que Deus tinha lhe conferido era feita de perto, o púlpito, o sermão era o momento onde Deus falava, a pregação tinha um papel primordial na vida pastoral do reformador, para ele quem despreza a pregação despreza a Deus, porque ele não fala por novas revelações do céu, mas pela voz de seus ministros, a quem confiou a pregação da sua Palavra.[8] A importância que ele dava a pregação advinha do entendimento de que a Bíblia era a Palavra de Deus, e a interpretação correta da mesma e sua exposição eram a Palavra de Deus falada entre homens, contudo, a pregação não era suficiente para a orientação dos crentes, era preciso acompanhamento de perto, saber o que cada pessoa vive e as circunstancias particulares que precisavam de aconselhamentos específicos. Flanklin Ferreira citando Calvino destaca no seu artigo:
A pregação requer ser suplementada com uma entrevista pastoral. “Não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine todas as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de acordo com a necessidade e as circunstâncias específicas de cada caso”. Calvino insistiu que o pastor precisa ser um pai para cada membro da congregação.[9]
                 
Isto não significa que Calvino entendia que a Escritura não era suficiente. Pelo contrario, a Escritura deveria acompanhar os crentes em suas vidas particulares, agindo em cada circunstancia da vida do cristão de maneira especifica e o acompanhamento pastoral era a maneira de aplicá-la a cada situação. O reformador entendia que Palavra é a revelação que o homem tem acesso para saber quem é Deus, e conhecê-Lo, sendo indispensável para o conhecimento do próprio ser humano, pois, ninguém pode olhar para si sem que volte imediatamente seus sentidos para Deus.[10] Para ele, era impossível separar o homem de Deus, por ser criação Dele, o homem é totalmente dependente de Deus. O homem conhece a si mesmo, quando conhece a Deus, percebe a sua fragilidade e pequenez. Diante de Deus ele é desnudado e sua realidade é mostrada de forma clara. O homem nunca é suficientemente atingido e afetado pelo conhecimento da pequenez de sua humanidade, a não ser depois que se compara com a majestade de Deus.[11] Portanto, para o reformador de Genebra, o homem precisa reconhecer a sua insignificância e dependência de Deus para alcançar o verdadeiro remédio para sua alma, que se encontra na bondade e misericórdia do seu criador. Como está convencida de que Ele é bom e misericordioso, entregasse a Ele com plena confiança, e não duvida que sempre haverá um remédio para todos os males na clemência dEle.[12]
Todo o homem está ligado a Deus segundo Calvino, para ele; O próprio Deus dotou os seres humanos de um senso ou pressentimento inato sobre Sua existência. É como se algo sobre Deus tivesse sido gravado no coração de cada ser humano.[13] O que ele chama de semente de religião[14]é aquilo que o Próprio Deus gravou no coração da humanidade tornando-a dependente dEle para compreender-se e satisfazer-se. Conseqüentemente o homem não terá êxito na sua existência sem Deus. Essa idéia de Calvino dirigia seu aconselhamento, sua pregação e sua vida.
Calvino entendia que as Escrituras deveriam reger a vida do Ser humano, a Bíblia era interpretada por ele, com o intuito de conhecer o homem e tratá-lo, Calvino via o livro de Salmos como “uma anatomia de todas as partes da alma, pois”, escrevendo ele, “não a sequer uma emoção da qual alguém... tenha participado que não esteja ali representada num espelho.[15] A Escritura era vista pelo reformador como a fonte suficiente para a condução do povo de Deus, por isso o empenho em entender de forma correta e passar essas verdades para o povo que lhe foi confiado como ovelhas fazia todo o sentido. Antes mesmo de ser o grande exegeta ele era pastor e conselheiro.
Calvino merece reconhecimento por sua obra teológica e exegética. Contudo, ele se via, antes de tudo, como um pastor; e todos os seus esforços serviam às necessidades de seu ministério pastoral. E, como pastor, ele dava conselhos àqueles que tinham necessidades físicas, emocionais e espirituais. Aqueles que conheciam bem o consideravam um pastor fiel, bondoso e amigo, nas varias circunstâncias da vida.[16]                                               
             Conhecer a vida ministerial de Calvino nos serve antes de tudo, como norte, na direção do reconhecimento de que a Escritura deve ser utilizada no aconselhamento para orientar o homem em todas as áreas da sua vida. O exegeta da reforma empreendia grandes esforços na compreensão da Escritura para aconselhar e orientar o povo de Deus, pois Ela é suficiente. Estes conceitos determinaram o movimento de aconselhamento dos puritanos.  



[1] http://www.seminariojmc.br/noticia.asp?codigo=358&COD_MENU=176, pesquisa feita em 01/06/2013 as 12;40.
[2] HALSEMA, Thea B. Van. João Calvino Era Assim: São Paulo – SP; Editora Vida Evangélica S/C, 1968. pp. 35,36.
[3] ibid. p. 38.
[4] ibid.
[5] ibid. p. 52.
[6] Wallace, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. Editora Cultura Cristã: São Paulo-SP; 2004. p. 143.
[7] ibid. p. 147
[8] Ferreira, Franklin. Revista Fé Para Hoje nº 35. Artigo João Calvino e a pregação das Escrituras. Ano 2009. 
[9] ibid.
[10] Calvino, João. A Instituição Da Religião Cristã. Tomo I, Livros I e II, Edição integral de 1559. Editora da Unesp: São Paulo-SP; 2008. p. 37.
[11] ibid. p. 38.
[12] ibid. p. 42.
[13] McGrath, Alister. A vida de João Calvino: Editora Cultura Cristã; São Paulo- SP: 2004. p. 179.
[14] Calvino, João. op cit, p. 43.
[15] GODFREY, W. Robert. João Calvino: Amor à Devoção, Doutrina e Glória de Deus: Editora Fiel; São José dos Campos-SP: 2010. p.108. fazendo uma citação do comentário de Calvino do livro de Salmos.
[16] ibdem. p. 107. 

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