Estive por algum tempo ausente nas postagens aqui no blog, mas resolvi retornar e trazer algumas reflexões sobre assuntos que nos chamam a atenção.
Quero de inicio começar a falar sobre o assunto que foi parte da minha monografia na conclusão do curso de teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte. A Suficiência da Escritura no aconselhamento cristão. O intuito desse poste não é trazer um debate teológico vazio e sem preocupação na ajuda e contribuição ao Reino, mas nos fazer refletir sobre o papel e o poder da Escritura na condução do cristão no caminho.
Dividirei o assunto em partes para não ficar muito extenso.
Calvino e o aconselhamento.
Calvino é conhecido como o grande
reformador, a sua paixão pela Sagrada Escritura, sua labuta com o texto bíblico
o tornaram um marco e um exemplo para os cristãos subseqüentes, o exegeta da
reforma e o sistematizador de verdades bíblicas que construiriam o maior e mais
fundamentado sistema teológico, o calvinismo. Popularmente conhecido como um
sistematizador frio, centrado na doutrina da predestinação. No entanto, uma
característica desse homem desconhecida por muitos é o entendimento que ele
tinha sobre a necessidade do homem e a sua preocupação com o acompanhamento
pastoral.
Calvino
também no exercício de seu pastorado, sempre procurou encorajar pessoas
sobrecarregadas, que não conseguiam encontrar consolo mediante sua própria
aproximação de Deus, a procurarem seu pastor para aconselhamento particular e
pessoal.[1]
Calvino começou a
entender desde cedo na caminhada como cristão e reformador, por experiência
própria, que a solução para os problemas da humanidade não estavam no homem
mesmo ou no que está a sua volta. Perseguido e refugiado na biblioteca de Du
Tillet, escrevendo a seu amigo François Daniel em Orléans, ele deixa claro que
é Deus quem cuida dos seus. Ele escreve;
A experiência
me ensinou que não podemos ver muito além de nós. Quando eu me entregava a uma
vida tranqüila e fácil, era então que aparecia o que menos esperava; e, ao
contrario, quando a minha situação parecia desagradável, um plácido ninho era
feito para mim, muito além da minha expectativa. Era o Senhor que fazia assim.
Quando nos entregamos a Ele, Ele mesmo cuida de nós.[2]
Para o reformador de
Genebra, não era o fato de estar vivendo uma vida fácil e tranqüila que
determinava o seu bem estar, para ele, o Senhor cuidava dos seus mesmo em
dificuldades extremas. Durante esse período a inquisição era ferrenha e muitos
foram mortos por abraçar a fé protestante. É dentro desse contexto que Calvino
afirma que Deus criava um ninho além das suas expectativas.
Por entender, que
não era no homem mesmo que a humanidade encontrava refugio e solução para seus
dilemas e problemas foi que o reformador se preocupou com as almas dos cristãos
protestantes perseguidos, ele próprio tinha a sua condenação certa, era caçado
como herege apto para o fogo.[3]
Mesmo diante de perigos constantes, Calvino não se trancava em algum quarto
escuro escrevendo As Institutas, como alguns presumem. Quando perseguido
e de volta a Paris pela ultima vez, ele não deixou de acompanhar e aconselhar
os fieis.
Não podia
permanecer ausente dos crentes da capital. Conhecia suas senhas e seus pontos
secretos de reunião. Estava de volta à casa de La Forge, o qual temia pela
segurança de Calvino. Cautelosamente entrava e saía das casas dos fieis,
ensinando-os, encorajando-os, fortalecendo-os.[4]
A distância também não impedia o reformador de cuidar das
almas. Quando a duquesa Renée, pressionada a abandonar sua fé e voltar à fé de Roma.
Calvino a acompanhava por cartas, aconselhando e encorajando-a a não abandonar
a fé.
Nessas
dificuldades todas à sua frente, o seu conselheiro fiel seria o jovem vestido
de preto que estava agora animando-a na corte de Ferrara. Não tornaria jamais a
ver João Calvino, mas o seu conforto e estimulo ajudá-la-iam a ser leal à fé.
Por intermédio de cartas, freqüentemente introduzidas no palácio ou na prisão
às escondidas, a duquesa era animada pelo seu conselheiro espiritual.[5]
O que realmente
enxergamos com muita clareza é a preocupação de Calvino com a vida dos cristãos
que eram perseguidos por causa do Evangelho. A imagem de um dogmático frio e
seco é destruída quando conhecemos a vida desse homem de Deus. Mesmo que não
houvesse um movimento de aconselhamento em sua época, é impossível negar que
Calvino era comprometido com tal obra. Ele reconhecia as necessidades da alma
humana.
Calvino sentia
que uma das necessidades principais de sua época era, por meio da Palavra de
Deus, ajudar homens e mulheres a alcançarem segurança na vida diante de Deus.
[...] O evangelho é designado para assegurar que a alma alcance a paz, isso é,
para uma alegre, contínua e radiante segurança.[6]
A orientação dada
por Calvino as sua ovelhas não era um mero incentivo a não desistir de algum
projeto de vida, mas, tinha os pressupostos firmados no que a Sagrada Escritura
afirmava.
A vida desse homem
teve como fundamento a Escritura, a pregação expositiva era uma marca do seu
ministério, porém, para ele o sermão não era suficiente no tratamento com os
crentes. Ele defendia que o pastor deveria se esmerar em acompanhar e cuidar de
perto suas ovelhas.
O que quer que os outros pensem, não
consideramos nosso cargo como algo dentro de limites tão estreitos como se,
quando o sermão estiver terminado, pudéssemos descansar como se nossa tarefa
tivesse terminada. Aqueles cujo sangue será requerido de nós se os perdermos
por causa de nossa preguiça, devem ser cuidados muito mais de perto e de modo
mais vigilante.[7]
A condução do rebanho que Deus tinha lhe conferido era feita de
perto, o púlpito, o sermão era o momento onde Deus falava, a pregação tinha um
papel primordial na vida pastoral do reformador, para ele quem despreza a pregação despreza a Deus,
porque ele não fala por novas revelações do céu, mas pela voz de seus
ministros, a quem confiou a pregação da sua Palavra.[8] A importância que ele dava a pregação advinha do entendimento de
que a Bíblia era a Palavra de Deus, e a interpretação correta da mesma e sua
exposição eram a Palavra de Deus falada entre homens, contudo, a pregação não
era suficiente para a orientação dos crentes, era preciso acompanhamento de
perto, saber o que cada pessoa vive e as circunstancias particulares que
precisavam de aconselhamentos específicos. Flanklin Ferreira citando Calvino
destaca no seu artigo:
A pregação requer ser suplementada com uma
entrevista pastoral. “Não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine todas
as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de
acordo com a necessidade e as circunstâncias específicas de cada caso”. Calvino
insistiu que o pastor precisa ser um pai para cada membro da congregação.[9]
Isto não significa que Calvino
entendia que a Escritura não era suficiente. Pelo contrario, a Escritura
deveria acompanhar os crentes em suas vidas particulares, agindo em cada
circunstancia da vida do cristão de maneira especifica e o acompanhamento
pastoral era a maneira de aplicá-la a cada situação. O reformador entendia que Palavra
é a revelação que o homem tem acesso para saber quem é Deus, e conhecê-Lo,
sendo indispensável para o conhecimento do próprio ser humano, pois, ninguém
pode olhar para si sem que volte imediatamente seus sentidos para Deus.[10]
Para ele, era impossível separar o homem de Deus, por ser criação Dele, o
homem é totalmente dependente de Deus. O homem conhece a si mesmo, quando
conhece a Deus, percebe a sua fragilidade e pequenez. Diante de Deus ele é
desnudado e sua realidade é mostrada de forma clara. O homem nunca é
suficientemente atingido e afetado pelo conhecimento da pequenez de sua
humanidade, a não ser depois que se compara com a majestade de Deus.[11]
Portanto, para o reformador de Genebra, o homem precisa reconhecer a sua
insignificância e dependência de Deus para alcançar o verdadeiro remédio para
sua alma, que se encontra na bondade e misericórdia do seu criador. Como
está convencida de que Ele é bom e misericordioso, entregasse a Ele com plena
confiança, e não duvida que sempre haverá um remédio para todos os males na
clemência dEle.[12]
Todo o homem está ligado a Deus
segundo Calvino, para ele; O próprio Deus dotou os seres humanos de um senso
ou pressentimento inato sobre Sua existência. É como se algo sobre Deus tivesse
sido gravado no coração de cada ser humano.[13] O
que ele chama de semente de religião[14]é
aquilo que o Próprio Deus gravou no coração da humanidade tornando-a dependente
dEle para compreender-se e satisfazer-se. Conseqüentemente o homem não terá
êxito na sua existência sem Deus. Essa idéia de Calvino dirigia seu
aconselhamento, sua pregação e sua vida.
Calvino entendia que as Escrituras
deveriam reger a vida do Ser humano, a Bíblia era interpretada por ele, com o
intuito de conhecer o homem e tratá-lo, Calvino via o livro de Salmos como
“uma anatomia de todas as partes da alma, pois”, escrevendo ele, “não a sequer
uma emoção da qual alguém... tenha participado que não esteja ali representada
num espelho.[15]
A Escritura era vista pelo reformador como a fonte suficiente para a condução
do povo de Deus, por isso o empenho em entender de forma correta e passar essas
verdades para o povo que lhe foi confiado como ovelhas fazia todo o sentido.
Antes mesmo de ser o grande exegeta ele era pastor e conselheiro.
Calvino merece
reconhecimento por sua obra teológica e exegética. Contudo, ele se via, antes
de tudo, como um pastor; e todos os seus esforços serviam às necessidades de
seu ministério pastoral. E, como pastor, ele dava conselhos àqueles que tinham
necessidades físicas, emocionais e espirituais. Aqueles que conheciam bem o
consideravam um pastor fiel, bondoso e amigo, nas varias circunstâncias da
vida.[16]
Conhecer a vida
ministerial de Calvino nos serve antes de tudo, como norte, na direção do
reconhecimento de que a Escritura deve ser utilizada no aconselhamento para
orientar o homem em todas as áreas da sua vida. O exegeta da reforma empreendia
grandes esforços na compreensão da Escritura para aconselhar e orientar o povo
de Deus, pois Ela é suficiente. Estes conceitos determinaram o movimento de
aconselhamento dos puritanos.
[1] http://www.seminariojmc.br/noticia.asp?codigo=358&COD_MENU=176,
pesquisa feita
em 01/06/2013 as 12;40.
[2] HALSEMA, Thea
B. Van. João Calvino Era Assim: São Paulo – SP; Editora Vida
Evangélica S/C, 1968. pp. 35,36.
[3] ibid. p. 38.
[4] ibid.
[5] ibid. p. 52.
[6] Wallace, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. Editora Cultura
Cristã: São Paulo-SP; 2004. p. 143.
[7] ibid. p. 147
[8] Ferreira,
Franklin. Revista Fé Para Hoje nº 35. Artigo João Calvino e a pregação
das Escrituras. Ano 2009.
[9] ibid.
[10] Calvino, João.
A Instituição Da Religião Cristã. Tomo I, Livros I e II, Edição integral
de 1559. Editora da Unesp: São Paulo-SP; 2008. p. 37.
[11] ibid. p. 38.
[12] ibid. p. 42.
[13] McGrath,
Alister. A vida de João Calvino: Editora Cultura Cristã; São
Paulo- SP: 2004. p. 179.
[15] GODFREY, W.
Robert. João Calvino: Amor à Devoção, Doutrina e Glória de Deus: Editora
Fiel; São José dos Campos-SP: 2010. p.108. fazendo uma citação do comentário de
Calvino do livro de Salmos.
[16] ibdem. p. 107.
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